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PEDAGOGA - especialização em PSICOLOGIA ESCOLAR - Coordenação Josefina Castro e PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA, INSTITUCIONAL E HOSPITALAR - Coordenação da Pp - profª Genigleide da Hora - Mestranda em Educação Inclusiva.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

JOGAR APRENDENDO: CONTRIBUIÇÕES DOS JOGOS NO PROCESSO DE LETRAMENTO

Carina Cavaletti de Carvalho
RESUMO

O objetivo deste estudo é apresentar uma intervenção psicopedagógica na qual a utilização de jogos aparece como recurso facilitador ao aluno ou paciente com dificuldades de aprendizagem no processo de letramento (diretamente relacionado ao ensino da leitura e escrita e diferenciado da alfabetização). A capacidade de encontrar formas de encaminhar o que se quer pode ser conquistada numa situação lúdica: ao exercitar nos jogos a habilidade de lidar com os sentimentos que eles despertam e com os desafios, busca-se competência para administrar situações cotidianas com eficácia. Nesse sentido, o jogo pode ser utilizado tanto no diagnóstico psicopedagógico quanto como recurso para posterior intervenção. É discutida a influência que a aplicação dos jogos pode proporcionar para o letramento considerando a aproximação dos usos e funções da leitura e escrita para o aluno ou paciente.
Palavras-chave: Psicopedagogia. Letramento. Jogos.
INTRODUÇÃO
O trabalho apresentado pretende investigar a importância dos jogos no processo de letramento como recurso alavancador para o domínio e uso do código da escrita. Em outras palavras, o papel do jogo como facilitador para o letramento.
Na utilização de jogos, para desenvolver habilidades de leitura e escrita é necessário considerar situações em que o ler e o escrever tenham um significado para o aprendente (seja ele o aluno ou o paciente...). Cabe ressaltar, então, as diferenças entre letramento e alfabetização já que nem sempre o indivíduo sabe que a escrita “representa” a fala. Esse indivíduo além de saber ler e escrever tem que ser letrado, ou seja, entender o que se está lendo, interpretar.
O letramento está diretamente relacionado ao ensino da leitura e escrita: algumas pessoas até podem ser alfabetizadas – aprendem a ler e escrever – porém, não necessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita. É preciso, então, considerar que apesar de conceitos distintos a alfabetização é uma etapa do letramento.
O desenvolvimento da leitura e escrita desperta atenção pela importância que desempenha em todo o processo educativo. A literatura nos mostra que a aprendizagem desses tópicos tem início muito antes da criança entrar no ensino fundamental: autores como Piaget, Vygotsky, Emília Ferrero, Ana Teberosky, entre outros, têm contribuído de forma marcante para o estudo destes processos.
Marques (2004) em artigo publicado, nos lembra que a aquisição do sistema da escrita e a efetiva possibilidade de uso no contexto social, são mais do que conhecer as letras, regras ortográficas ou gramaticais; o ensino da língua escrita requer a assimilação das práticas de uso.
Ora, enfatizando a aplicação de jogos no processo de letramento possibilita-se a aproximação dos usos e funções da leitura e escrita no cotidiano do aluno numa aprendizagem significativa. Lembrando também que os jogos proporcionam o aprender de forma prazerosa, num contexto desvinculado da situação de aprendizado formal.
Os jogos, os desenhos e brincadeiras de faz-de-conta, sem dúvida são meios facilitadores na descoberta da leitura e escrita: profissionais da área educacional, comprometidos com a qualidade da sua prática pedagógica e/ou psicopedagógica, reconhecem a importância dos jogos como veículo para o desenvolvimento social, emocional e intelectual dos alunos.
Vale ressaltar que o propósito deste estudo se restringe à utilização somente dos jogos (diferenciados dos desenhos e demais brincadeiras) no processo de letramento (já considerando suas diferenças com a alfabetização).
Através do jogo o indivíduo pode brincar naturalmente, testar hipóteses, explorar toda a sua espontaneidade criativa. Os jogos não são apenas uma forma de divertimento: são meios que contribuem e enriquecem o desenvolvimento intelectual. Para manter seu equilíbrio com o mundo a criança precisa brincar, criar e inventar. A criança devota ao jogo a maior parte do seu tempo. Com jogos e brincadeiras, a criança desenvolve o seu raciocínio e conduz o seu conhecimento de forma descontraída e espontânea: no brincar, ela constroe um espaço de experimentação, de transição entre o mundo interno e externo.
Dias (2002), analisando a importância dos jogos na alfabetização em seu trabalho de conclusão de curso da FEUSP, constata que é por meio dos jogos e da conseqüente apropriação e interpretação dos materiais lingüísticos disponíveis que a criança vai tecendo a compreensão do seu mundo para, gradualmente ampliar essa compreensão para um amplo leque social. Cabe aos educadores reconhecer e refletir sobre o papel do jogo como estratégia pedagógica e/ou psicopedagógica, explorando seu potencial educativo e buscando assim o sucesso escolar.
De acordo com Tezani (2004), ao desenvolver um trabalho com jogos está não só desenvolvendo os aspectos cognitivos da criança, mas passando também a enfatizar os aspectos afetivos que são resgatados durante estes momentos lúdicos.
É a partir deste pressuposto que esta pesquisa será elaborada: através de reflexões teóricas (principais aspectos do letramento; utilização dos jogos centrada na aprendizagem da escrita e leitura; o jogo no processo educativo e psicopedagógico) e ilustrada com relatos de caso.
A razão para o desenvolvimento deste estudo surgiu já no decorrer do curso de pós-graduação em Psicopedagogia no qual evidenciou-se um número expressivo de crianças com dificuldades de aprendizagem, relacionadas à leitura e escrita no contexto escolar. Durante o estágio clínico supervisionado, o espaço e tempo utilizados para a criança brincar e, assim melhor se comunicar, revelou-se imprescindível para as relações vinculares e construção do conhecimento. Deste modo, perceber que os jogos contribuem para o aprendizado foi inevitável.
No Capítulo I serão abordados os principais conceitos e diferenças do letramento com a alfabetização - apoiados em teorias de autores como Soares (1998), Cagliari (1999), Kleiman (1995) e Condemarín (1997).
O Capítulo II abrange uma apresentação baseada em teorias pedagógicas e psicopedagógicas de Kishimoto (1992), Weiss (2004), Macedo (2000), entre outros, que estreitam laços da relação dos jogos com a aprendizagem.
Relatos de casos contribuem para uma análise psicopedagógica da prática nos jogos no Capítulo III.
1. LETRAMENTO


1.1 Letramento x Alfabetização
Ao se pretender realizar uma reflexão acerca das diferenças entre letramento e alfabetização é necessário considerar que, apesar de conceitos distintos, a alfabetização é uma etapa do letramento. Há ainda outro fator implicado: como se dá a prática psicopedagógica dentro destas fases da aquisição da leitura e escrita. É relevante ressaltar, inclusive, que a partir da necessidade de representar a fala criou-se a escrita, e desse modo a linguagem passou a ser vista. O letramento e a alfabetização estão diretamente relacionados ao ensino da leitura e escrita.
Por que e para que se ensina a ler e escrever? Para que se possa reconhecer e interpretar a maioria dos textos que circulam na sociedade (livros, jornais, revistas...). Segundo Silva (1987, p.95): “O ato de ler inicia-se quando um sujeito, através da sua percepção, toma consciência de documentos escritos existentes no mundo.”

Já Cagliari (1999, p.85) afirma que “quando vão aprender a ler e escrever as crianças têm como única referência de conhecimento já adquirido, a própria fala”. Assim, conhecimentos prévios contribuem no aprendizado da língua e escrita.
A familiaridade com a escrita, com seus conteúdos e seus suportes é não somente uma conseqüência da aprendizagem da leitura, mas também, e talvez sobretudo, uma condição para que ela ocorra de forma adequada. É de extrema importância, então, promover situações centradas nos usos e funções da leitura e escrita no cotidiano familiar e escolar da criança neste processo de aprendizagem. As situações centradas na decodificação não podem ser privilegiadas.
Diante dessas considerações, deve-se destacar os estudos de Soares (1998, p.47) que discutindo os conceitos de letramento e alfabetização nos fornece as seguintes definições: “Alfabetização: ação de ensinar/aprender a ler e a escrever. Letramento: estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita.”
De acordo com Soares não basta aprender a ler e escrever (ser alfabetizado), é preciso incorporar a prática da leitura e da escrita para envolver-se com seus usos: ler livros, jornais; preencher um formulário, um requerimento; redigir uma carta...
Kleiman (1995, p.19) complementa afirmando que “podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos.”
Alfabetização dependente do letramento
Uma das formas de ter acesso ao sistema de escrita é através do processo de alfabetização. E “o segredo da alfabetização está na aprendizagem da leitura” (CAGLIARI, op. cit., p.99). Continuando com Cagliari:
Para saber decifrar a escrita, é preciso saber como os sistemas de escrita funcionam e quais os seus usos. Como a escrita é uma forma gráfica de representação da linguagem oral, é necessário estudar os mecanismos da produção da linguagem oral, quais os seus usos e, ainda, como a linguagem oral se relaciona com a forma escrita que representa, num contexto culturalmente específico da sociedade moderna. (p.100)

Desta forma, a leitura não pode ser confundida com decodificação de sinais simplesmente, e a interação entre alfabetização e letramento se mostra essencial.
Para Silva (op. cit., p.96), a leitura envolve compreensão e recriação de significados pressupondo um enriquecimento do leitor: “a leitura deve ser colocada como instrumento de participação e renovação cultural.”
O indivíduo que tem algum nível de letramento, utiliza a língua escrita como objeto de uso - fabricando sentidos, construindo significado para o texto escrito -, enquanto que a língua escrita é um objeto de conhecimento para o alfabetizado.
A questão da alfabetização, que normalmente era tratada como sendo algo que ocorria apenas dentro do sistema formal de ensino (a escola), sofreu um deslocamento com o fenômeno do letramento, visto que, podemos considerar letrados todos aqueles que vivem em uma sociedade letrada, sejam eles alfabetizados ou não, sendo que o que diferencia uns e outros é o grau de letramento, que permite maior ou menor participação nas práticas da leitura e da escrita. Daí considerar a alfabetização como processo encaixado e dependente do letramento.
A palavra letramento
O estudo do letramento é bastante recente nos meios científicos brasileiros. A própria palavra – letramento – é um neologismo ainda não dicionarizado. Soares (op. cit, p.36) destaca que o sentido dado aos adjetivos letrado e iletrado não está relacionado com o sentido da palavra letramento como aparece, por enquanto, nos dicionários.
Segundo Soares (ibid., p.36) quem “aprende a ler e a escrever e passa a usar a leitura e a escrita, a envolver-se em práticas de leitura e escrita, torna-se uma pessoa diferente, adquire um outro estado, uma outra condição”. Esta pessoa passa a ser letrada, no sentido de viver em estado de letramento (usando socialmente a leitura e a escrita e respondendo adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita).
Para Kleiman (op. cit., p.20) o fenômeno do letramento extrapola o mundo da escrita tal qual ele é considerado pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita:
Pode-se afirmar que a escola, a mais importante das agências de letramento, preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas com apenas um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico), processo geralmente concebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola.
De acordo com Kleiman (ibid, p.21), outras “agências” de letramento, como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram orientações de letramento muito diferentes, como por exemplo: leitura de livros antes de dormir, leituras de caixas de cereal, de sinais de trânsito, de propagandas de TV e a interpretação de jogos e brinquedos.
Já Soares (op. cit., p.46) prossegue afirmando que “letramento é muito mais que alfabetização”, já que as pessoas até podem ser alfabetizadas – aprendem a ler e escrever – porém, não necessariamente “incorporam a prática da leitura e da escrita, não adquirem competência para usar a leitura e escrita...”
Após as reflexões expostas, pode-se concluir que “o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado.” (SOARES, ibid, p.47). Enfim, esta análise demonstra a utilização do letramento na busca de construção do sentido/significado - dentro da linguagem escolar inserida no cotidiano do aluno -, superando o conhecimento do código da escrita.
1.2 Ambiente letrado
Sabe-se que não existe uma única diferença entre um indivíduo que aprendeu a ler e escrever e outro que não sabe faze-lo, porque são diferenças que vão além da alfabetização. Não basta ensinar aos alunos que é muito bom fazer a leitura de livros e ouvir histórias. Deve-se provar o por quê da importância da leitura em nossa vida, onde desde pequenos deveríamos fazer da mesma um ato prazeroso.
É preciso, então, planejar o trabalho pedagógico e/ou psicopedagógico articulando as atividades de uso significativo da linguagem com atividades de reflexão sobre a escrita. Isto significa dizer, como destaca Kleiman (op. cit., p.21), que a alfabetização, tomada como a aprendizagem inicial da leitura e da escrita, deve ocorrer em contextos de letramento que potencializam o domínio da linguagem, ou seja, na construção de contextos facilitadores da transformação dos alunos em sujeitos letrados.
De acordo com o RCNEI (2002) para favorecer as práticas de leitura, algumas condições são consideradas essenciais, tais como: dispor de um acervo de livros, gibis, jornais, revistas, enciclopédias; organizar momentos de leitura livre; possibilitar aos alunos a escolha de suas leituras, entre outras. Em relação à prática da escrita, condições como: reconhecer a capacidade dos aprendentes para escrever e dar legitimidade e significação às escritas iniciais; propor atividades de escrita que fazem sentido para os mesmos...
Situações motivadoras, ligadas ao desejo e à necessidade de se comunicar, permitem que os alunos (sejam crianças ou adultos) possam se expressar livremente e que, ao mesmo tempo, o professor identifique os aspectos do desempenho lingüístico que será necessário enriquecer e sistematizar em outras instâncias pedagógicas e/ou psicopedagógicas.
Segundo Condemarín (1997, p.15), ao se comunicar espontaneamente sobre temas que são interessantes e significativos em simples “bate-papos”, as crianças desenvolvem sua competência lingüística e comunicativa: “A partir dessas conversas, os alunos adquirem um domínio progressivo do uso de formas de comunicação mais elaboradas e são capazes de adotar registros de fala adaptados às diversa situações. Em síntese, pretende-se ampliar, diversificar e estruturar progressivamente suas práticas lingüísticas.”
Formando leitores
A curiosidade da criança em descobrir o que significa a leitura começa muito cedo. Todo menino ou menina, desde sua mais tenra infância, é um ativo leitor do mundo, que se transforma em um leitor de textos quando estes lhe são proporcionados por seu meio natural e quando conta com um mediador eficiente para facilitar seu domínio.
Para Condemarín (op. cit., p.45.) aprender a ler é um processo permanente que implica simultaneamente aprender a decodificar e aprender a compreender diferentes tipos de textos. A autora prossegue constatando que “em todas as suas etapas, o leitor adapta seus processos cognitivos (atenção, retenção, evocação, integração, previsão, comparação, raciocínio) às características do texto, com o fim de reconstruir o significado, segundo seus objetivos e propósitos.”
Desse modo, quanto mais amplo e diversificado for o contato do indivíduo com a linguagem escrita, maiores serão suas oportunidades para descobrir as regularidades desta e para se familiarizar com suas características específicas. Ou seja, quanto maior o grau de letramento, melhores serão as possibilidades de exercer as práticas sociais que usam a escrita, e mais, dominando também a decodificação.
2.O JOGO
2.1 Características do jogo

Vários tipos de jogos existem, entre eles, jogos motores, cognitivos, jogos intelectuais, jogos competitivos e jogos de cooperação, individuais ou coletivos, de faz de conta, simbólicos, verbais... A variedade de jogos conhecidos mostra a multiplicidade desta categoria e a dificuldade para se compreender o que é “jogo” (uma vez que significados diferentes são atribuídos a esse termo).
Entre os autores que discutem as características do jogo, Kishimoto (1994, p.07) identifica pontos comuns como elementos que interligam a grande família dos jogos:
...liberdade de ação do jogador ou o caráter voluntário e episódico da ação lúdica; o prazer (ou desprazer), o “não sério ”ou o efeito positivo; as regras (implícitas ou explícitas); a relevância do processo de brincar (o caráter improdutivo), a incerteza de seus resultados; a não literalidade ou a representação da realidade, a imaginação e a contextualização no tempo e espaço.
Para a estudiosa, o jogo pode ser visto como resultado de um sistema lingüístico que funciona dentro de um contexto social – o sentido do jogo depende da linguagem de cada contexto social; um sistema de regras – onde as regras permitem identificar em qualquer jogo uma estrutura seqüencial (o que especifica sua modalidade) e como um objeto – quando refere-se ao jogo enquanto objeto.
Kishimoto (ibid., p.07) inclusive diferencia brinquedo, brincadeira e jogo ao considerar brinquedo como objeto, suporte de brincadeira, brincadeira como a descrição de uma conduta estruturada, com regras e jogo para designar tanto o objeto e as regras (brinquedo e brincadeira). É necessário, então, considerar o jogo dentro do contexto em que é utilizado, a atitude daquele que joga e o significado dado ao jogo pelo observador (psicopedagogo, professor, psicólogo, os pais...).
O Jogo segundo alguns autores
Embora as pesquisas acerca dos jogos tenham se iniciado no início do século XX, e sua intensidade tenha variado de acordo com as contingências políticas e sociais de cada época, o ressurgimento dos estudos psicológicos sobre o jogo infantil nos anos 70 foi, em grande parte, estimulado por Jean Piaget (1971).
Piaget elaborou uma diferenciação dos jogos usando os seguintes procedimentos: observação e registro dos jogos praticados pelas crianças em casa, nas escolas e na rua - na tentativa de relacionar o maior número de jogos infantis; e análise das categorias já existentes e aplicações conhecidas dos jogos coletados. Assim, ao estudar com observação e método a prática de jogos, Piaget propôs uma possível classificação na qual três tipos de estruturas caracterizam os jogos: o exercício (para crianças de 0 a 2 anos), o símbolo (de 2 a 7 anos) e a regra (a partir dos 7 anos).
Estas categorias estão dispostas por ordem de complexidade abrangendo desde o jogo sensório-motor elementar até o jogo social superior: os exercícios motores consistem na repetição de gestos e movimentos simples com valor exploratório e o jogo simbólico desenvolve-se a partir dos esquemas sensório-motores (corridas, jogos de bola de gude, etc...) ou intelectuais (de carta, xadrez...) regulamentados por um conjunto sistemático de leis que são as regras.
Beauclair (2004) observa que para Piaget, o jogo de regras é a atividade lúdica do “ser sofisticado e começa a ser praticado por volta dos sete anos de idade, quando a criança abandona o jogo egocêntrico das crianças menores em proveito de uma explicação efetiva de regras e do espírito de regras entre os jogadores.”
Wallon (1941) -de acordo com Kishimoto (op. cit., p.41) - com certa semelhança a Piaget, classifica os jogos em quatro tipos: funcionais, de ficção, de aquisição e de construção:
As atividades lúdicas funcionais representam os movimentos simples como encolher os braços e pernas, agitar dedos, balançar objetos....As atividades lúdicas de ficção são as brincadeiras de faz-de-conta com bonecas. Nas atividades de aquisição, a criança aprende vendo e ouvindo. Faz esforços para compreender coisas, seres, cenas, imagens e, nos jogos de construção, reúne, combina objetos entre si, modifica e cria.
Outra grande influência nas pesquisas sobre o jogo vem da psicologia russa, com Vygotsky (1982 apud Kishimoto, 1994, p.43). Para o autor há dois elementos importantes nos jogos infantis, a situação imaginária e as regras:
Vygotsky deixa claro que, nos primeiros anos de vida, a brincadeira é a atividade predominante e constitui fonte de desenvolvimento ao criar zonas de desenvolvimento proximal. Ao prover uma situação imaginativa por meio da atividade livre, a criança desenvolve a iniciativa, expressa seus desejos e internaliza as regras sociais.
Kishimoto (op. cit., p.44) considera a imitação como a origem de toda representação mental e base para o aparecimento do jogo infantil, segundo as teorias de Piaget, Wallon e Vygotsky. Porém, a autora destaca em Bruner (1976 apud Kishimoto, 1994, p.45) uma diferente interpretação do desenvolvimento da atividade simbólica: “Bruner insiste nas trocas interativas entre a criança e a mãe como fonte de desenvolvimento cognitivo e meio para atribuir significado aos objetos ou aos fenômenos.”
Já a visão de Winnicott (1975 apud Weiss, 2004, p.72) possibilita uma compreensão mais integradora do jogar na aprendizagem: “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self).”. Weiss complementa afirmando que é nesse espaço transacional criança-outro-indivíduo-meio que dá-se a aprendizagem (e daí a importância do jogo no trabalho pedagógico e/ou psicopedagógico).
São estes os principais autores – entre os teóricos mais relevantes, estudiosos das representações mentais – que mostram a importância do jogo para o desenvolvimento infantil ao propiciar a aquisição de regras, a expressão do imaginário e a apropriação do conhecimento.
2.2 Jogo na Educação (e na Psicopedagogia)
Ao incorporar o jogo à Educação, a prática pedagógica e/ou psicopedagógica cria a figura do jogo educativo.
Deste modo, um mesmo objeto – o jogo – pode adquirir dois sentidos conforme o contexto em que é utilizado: brinquedo ou material pedagógico.
Para Kishimoto (op. cit., p.15) se brinquedos são sempre suportes de brincadeiras, sua utilização deveria criar momentos lúdicos de livre exploração, nos quais prevalece a incerteza do ato e não se buscam resultados. Porém, se os mesmos objetos servem como auxiliar da ação docente, buscam-se resultados em relação à aprendizagem de conceitos e noções, ou, mesmo, ao desenvolvimento de algumas habilidades. Nesse caso, o objeto conhecido como brinquedo não realiza sua função lúdica, deixa de ser brinquedo para tornar-se material pedagógico.
O jogo educativo surgiu no século XVI como suporte da atividade didática e sua utilização expandiu-se no início do século XX, estimulada pelo crescimento da rede de ensino infantil e pelas discussões sobre as relações entre jogos e Educação. Em qualquer tipo de jogo a criança se educa, já que o jogo é educativo em sua essência.
A importância dos jogos na aprendizagem
A organização de espaços adequados para estimular brincadeiras e jogos constitui atualmente uma das preocupações da maioria de educadores e profissionais de instituições escolares.
A docente Maria Célia R. M. Campos (2005), da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressalta que o uso dos jogos no contexto educacional só pode ser situado corretamente a partir da compreensão dos fatores que colaboram para uma aprendizagem ativa, ou seja, mais do que o jogo em si, o que vai promover uma boa aprendizagem é o clima de discussão e troca, com o professor permitindo tentativas e respostas divergentes ou alternativas, tolerando os erros, promovendo novas análises.
Macedo (2000, p.23) acrescenta que a discussão desencadeada a partir de uma situação de jogo mediada por um profissional, vai além da experiência e “possibilita a transposição das aquisições para outros contextos”. Para o autor, isto significa considerar que “as atitudes adquiridas no contexto de jogo tendem a tornar-se propriedade do aluno, podendo ser generalizadas para outros âmbitos, em especial, para as situações em sala de aula.”.
De acordo com Campos, dependendo de como é conduzido, o jogo ativa e desenvolve os esquemas de conhecimento, aqueles que colaborarão na aprendizagem de qualquer novo conhecimento, como observar e identificar, comparar e classificar, conceituar, relacionar e inferir. Também são esquemas de conhecimento os procedimentos utilizados no jogo como o planejamento, a previsão, a antecipação, o método de registro e contagem...
Através de jogos é possível apreender aspectos importantes da constituição psíquica de uma criança, assim como seu nível de desenvolvimento social e cognitivo. Nesse sentido, o jogo pode ser utilizado tanto no diagnóstico psicopedagógico quanto recurso para posterior intervenção psicopedagógica: o jogo favorece a análise de processos de pensamento utilizados pelo aluno (criança ou mesmo adulto) e das relações que ele estabelece com o parceiro com as regras a serem estabelecidas.
Weiss (op.cit., p.77) aponta alguns aspectos que podem ser claramente percebidos através do jogo no aprendente: o conhecimento que já possui, o funcionamento cognitivo e das relações vinculares e significações existentes no aprender, o caminho utilizado para aprender ou não-aprender, o que pode revelar, o que precisa esconder e como o faz.
Ainda numa visão psicopedagógica (que procura integrar os fatores cognitivos e afetivos que atuam nos níveis conscientes e inconscientes da conduta), quaisquer jogos, mesmo os que envolvem regras ou uma atividade corporal, dão espaço para a imaginação, a fantasia e a projeção de conteúdos afetivos, além da organização lógica implícita. Para Campos (2005) o psicopedagogo “não interpreta mas deve poder compreender as manifestações simbólicas e procurar adequar as atividades lúdicas às necessidades do aluno.”
Segundo Tezani (2004) o jogo é essencial como recurso pedagógico e/ou psicopedagógico, pois no brincar a criança articula teoria e prática, formula hipóteses e experiências, tornando a aprendizagem atrativa e interessante. Deste modo, a construção de um espaço de jogo, de interação e de criatividade proporcionaria o aprender com sentido e significado, no qual o gostar e querer estariam presentes.
Já Bertoldi (2003) ressalta que a criança que tem seus primeiros contatos com a aprendizagem de forma lúdica, provavelmente, terá chances de desenvolver um vínculo mais positivo com a educação formal e estará mais fortalecida para lidar com os medos e frustrações inerentes ao processo do aprender.
É necessário, ainda, salientar que as aquisições relativas a novos conhecimentos e conteúdos escolares não estão nos jogos em si, mas nas intervenções realizadas pelo profissional que conduz e coordena as atividades, seja ele o professor ou o psicopedagogo.
3. O JOGO NO CONTEXTO PSICOPEDAGÓGICO
3.1 Letramento e jogos: relatos de casos

O uso de jogos em psicopedagogia é um recurso tanto para avaliação, como para intervenção em processos de aprendizagem (como já mencionado no capítulo anterior). Deste modo, na utilização de jogos para alcançar o letramento deve-se explorar os significados dos jogos, tanto os lógicos como os afetivos, e integrá-los com outras formas de atividade simbólica, principalmente a linguagem oral (de escrita criativa e escrita formal).
A escolha dos jogos será definida pelas dificuldades específicas da cada aluno ou paciente. Existem inúmeros jogos que trabalham a linguagem, como por exemplo o jogo da forca, palavras cruzadas, bingo... Outros trazem informações sobre diversos temas e há ainda uma variedade de jogos que exigem estratégia, domínio espacial, verificação de hipóteses, tomadas de decisões...
O trabalho com jogos, assim como qualquer atividade pedagógica e/ou psicopedagógica, requer uma organização prévia: definir o objetivo ou a finalidade da utilização do jogo é fundamental para direcionar, dar significados às atividades e favorecer a aprendizagem, no caso, o letramento.
Os relatos a seguir ilustram momentos significativos, ocorridos no período do estágio do curso de especialização em Psicopedagogia, nos quais são discutidos alguns aspectos fundamentais do processo de letramento tendo em vista a construção do conhecimento da leitura e escrita por parte do aluno e/ou paciente através do uso de jogos.
Sócrates (10 anos, 3a série) lia mecanicamente, sem relacionar os fatos entre si, não tirava conclusões. Durante a leitura, ele não operava, simplesmente enfileirava palavras e frases, e essa falta de significado refletia-se em todas as disciplinas. Nas sessões psicopedagógicas, ele ficava menos tímido e se revelava com mais facilidade nos momentos lúdicos, principalmente com o uso de jogos. Foi através da utilização de jogos, então, que Sócrates passou a exercer as práticas sociais da leitura e escrita, (re) descobrindo seus significados.
Para favorecer a construção de contextos de letramento, um jogo da memória “diferenciado” serviu de recurso para aproximar Sócrates de uma situação na qual a leitura e a escrita demonstravam-lhe sentido: neste jogo da memória além de acertar a posição das peças (localizando o seu par), se fazia necessária a correta leitura da palavra que se referia a figura formada por dois animais (Ex.: leopato = leão + pato; papagurso = papagaio + urso). Aos poucos, Sócrates familiarizou-se com as regras deste jogo e até mostrava entusiasmo e ansiedade quando acertava/ganhava. O jogo, desta maneira, tornou-se ponto de partida para outras atividades em que Sócrates pudesse se envolver com os usos da leitura e escrita.
Com Natalie (12 anos, 4a série) – que não se via como sujeito da produção da escrita e, na maioria das vezes, não via significado em sua leitura – o jogo como recurso psicopedagógico foi indispensável para o estabelecimento do vínculo afetivo, bem como, para a participação de Natalie nas práticas da leitura e escrita (tornando-se letrada).
Para promover situações de uso da linguagem, foram realizadas com a garota atividades que possibilitaram vivências comunicativas (cartas e bilhetes), experiências pessoais (diário), produção de escrita criativa (poesia), alternadas com o uso de jogos (como bingo de palavras, stop, jogo da memória, entre outros) e dramatizações de estórias infantis.
Natalie progrediu sensivelmente em sua escrita e mais ainda na leitura, monstrando-se envolvida em contextos de letramento e muito mais interessada e participativa no decorrer dos atendimentos psicopedagógicos.
Outras experiências poderiam ser aqui retratadas, porém com esses dois casos é possível constatar: a influência que os jogos podem proporcionar no processo de letramento se mostra essencial, visto o envolvimento no cotidiano da criança/aluno/paciente. Se a aplicação de jogos possibilita a aproximação dos usos e funções da leitura e escrita, penetrando no significado do que se escreve ou lê, então efetivamente há situações onde o letramento é facilitado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve por objetivo principal estudar as contribuições dos jogos no processo de letramento para o aprendente (seja a criança ou o adulto). É preciso, entretanto, enfatizar a necessidade de continuidade deste estudo - os temas dos capítulos deste trabalho por si só já renderiam uma outra monografia -, que não deve ser encarado como uma receita infalível para o sucesso escolar, já que nenhum conhecimento deve ser visto como algo acabado – ele se constrói e reconstrói.
Para todos aqueles que trabalham com Psicopedagogia e em outras áreas da Educação é bastante comum a vivência de situações em que é necessário estabelecer a intervenção psicopedagógica em função das dificuldades de aprendizagem do aluno e/ou paciente. Os jogos, indubitavelmente, desempenham neste momento um papel nuclear.
O potencial dos jogos como recurso pedagógico e/ou psicopedagógico deve-se ao fato da reunião de alguns pontos essenciais no âmbito educacional. São eles: cultura (o jogo é um objeto sócio-cultural-histórico), interesse do aluno e/ou paciente (brincar é a atividade principal da criança) e conteúdos curriculares (diferentes jogos podem expressar diferentes conteúdos). Outro aspecto que deve ser levantado se refere às relações e interações sociais mobilizadas pelo jogar em grupo, na medida em que nessa situação o aprendente vivencia regras, discute, faz negociações, levanta e testa hipóteses e, sobretudo aprende com o outro (um colega mais experiente, o professor e/ou psicopedagogo ou o jogo mesmo) e consigo próprio.
No processo de letramento, como foi demonstrado neste trabalho, através de jogos é possível ao aluno e/ou paciente superar a fusão inicial do objeto com o significado, que se traduz na aquisição da leitura e da escrita pela diferenciação do símbolo e do significado.
Tomando o letramento como uma atividade sistemática – na medida que o mesmo faz parte das regras e normas de uma sociedade estabelecida e contemporânea – o exercício da escrita e da leitura deve ser encarado como algo prazeroso, na medida que permite ao indivíduo enxergar e significar sinais gráficos e lingüísticos que ampliam seu leque de conhecimento.
Sendo assim, dentro de um contexto educacional que visa propiciar letramento e autonomia aos aprendentes, a utilização de jogos facilita o domínio e uso do código da escrita e leitura, bem como suas práticas e funções.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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